A peleja do fim do mundo
- Olavo David
- 14 de mar. de 2020
- 3 min de leitura
Atualizado: 11 de mai. de 2020
Ao contrário das indicações especializadas, o primeiro clássico gaúcho na maior competição de clubes do mundo aglomerou aconteceu e aglomerou pouco mais de 53 mil pessoas.
Provavelmente, o último jogo de maior relevância com público em muitos dias. Tempos sombrios, sem dúvidas. A amargura de um planeta doente sequer se poderá remediar com uma boa partida de futebol. Sem Liga dos Campeões - convenhamos - não há tanto problema; ao mexer com a Libertadores, porém, a crueldade transcendeu.
Sabendo da condição única no contexto do clássico, a dupla GreNal subiu ao gramado em Porto Alegre para ali deixar tudo. Ao contrário das indicações especializadas, o primeiro clássico gaúcho na maior competição de clubes do mundo aglomerou aconteceu e aglomerou pouco mais de 53 mil pessoas. Algumas, talvez, afetadas pela pandemia importada da Europa - como basicamente todas as mazelas que acometem esta porção de terra esquecida por deuses e demônios.
Foram quase duas horas de peleja, após quase duas semanas de prévias. Os amantes do esporte aguardavam ansiosos pelo desabrochar libertador do clássico sul-riograndense, em especial nas últimas horas de espera, quando a dona do futebol sulamericano (não deveria ser, mas tomou de assalto) anunciou a suspensão da maior competição deste mundo infectado. Teria de ser especial.
A festa na bancada tricolor contrastou com a tensão vivida país afora, que vira, no mesmo dia, gente graúda da República descobrir que também está vulnerável ao vírus. Pois é. Tapar os olhos não nos torna invisíveis, muito menos imunes. Precisávamos de um jogo como há muito não se via às margens do Lago Guaíba, que nos deu tanto o que comemorar neste século. E que jogo. E teve de tudo. Belos lances, garra, grito, trave e, no final das contas, até mesmo um alento no olho do furacão.
"o GreNal tinha um roteiro de fácil previsão. E a briga se espalhou mais rápido que a tal pandemia."
Quem assistiu ao Grenal 422, histórico por si só, está pronto para o colapso global. Por três vezes a baliza, impassível, recusou-se a dar licença às rematadas indefensáveis. Como se os senhores deste esporte ímpar desejasse um empate sem gols. O belo pelo belo, a arte em seu estado mais puro. Sem bola na rede, tudo é menos enganoso. É mais fácil se deixar levar pela emoção quando a meta mais parece zona de guerra.
Sim, é isso mesmo: o 0 a 0 tem seu valor. Podemos ver, por exemplo, como evoluiu o Inter sob as ordens de Coudet; do mesmo modo testemunhamos que o Grêmio de Portaluppi se mantém coeso, ainda que em reconstrução. E não venham com essa de bons humanos. Todos sabíamos no que desaguaria este rio caudaloso no qual navegamos com tanto excitação. Nada justifica a reação do ótimo Moisés, bem como é inexplicável o revide da joia rara que é o Pepê, mas, numa Libertadores, o GreNal tinha um roteiro de fácil previsão. E a briga se espalhou mais rápido que a tal pandemia.
Tudo isso formatou uma experiência única na quinta-feira mais maluca dos anos 2000 até agora. Inaceitável seria entregar um jogo mequetrefe, com ares de Campeonato Francês, a meia centena de milhares de pessoas que deixaram suas áreas seguras para acotovelaram-se com estranhos, ainda mais em tempos de escalada dos contágios em solo brasileiro.
Inadmissível seria o pragmatismo do futebol europeu substituir o sempre criticado espírito de Libertadores do último regozijo futebolístico da sociedade global tal qual conhecemos. Impossível? Não, apenas improvável. Assim como crer num suposto exagero coordenado mundo afora, tal qual fazem alguns infectados com cara de banana. Obrigado, GreNal.
AAA...
tchim...
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